sexta-feira, 2 de julho de 2010

Rabiscos e Rascunhos


Perseguido e acuado, tu respiras fundo e olhas demoradamente para os lados. Estás só, apagado e preso dentro do claustro de tu quarto bege, janelas para o mundo real, grades eternas e vigiado pelos olhos do medo e da angústia. Sentes vontade de chorar, mas tua garganta seca de palavras perdidas e implosivas te impedem de gritar. Nem mesmo ar. Nem mesmo mar. Arranhas com as unhas da cólera a parede limpa e imaculada do cativeiro. Ela te fere. Deitado, encolhido, só te resta rezar. E de tua oração serena, nasce a estrela em uma nebulosa distante, vermelha e dourada. Ela te acompanhará, lembra?
Caminhando pelos escombros, tu escalas os dedos e congelas o tempo. Velhinhas com encharpes e poodle branquinhos esperam a vez de atravessar a rua cinzenta. Estudantes em bando fogem como pássaros em direção ao sol, casais não se olham nos olhos e crianças descalças crescem sem perceber, endurecem sem a música. Sem vestígio. Tu tens vontade de gritar, mas nem mesmo ar. Resta-te desenhar. Apaga o mundo do teu quarto bege e triste. Muda as cores e faze do azul celeste o teu raiar. respira fundo mais uma vez, enche este peito, menino, e começa a rascunhar. Estrelinha cai no mar amigo das ondas verdejantes, espuma de sal. E lá das profundezas, encontra com os monstros que sempre te visitaram nos pesadelos. Eles são curiosos, piscam e se escondem nas cavernas de exílios cheias de moluscos. De quem tem medo, menino? Acenam e nadam em turma para o navio fantasma, ancorado na areia prata.
Viu, para que tanto medo? É hora de brincar! Pega carona no canto das sereias peroladas que reinam estreladas. Coroadas pelas alegrias. Canta comigo em três tempos, sem tormentos ou lamentos. Olha em volta, menino, guarda tua estrela no peito estufado e emerge para o dia, porque a noite - longa e fria - já era. Viraste a página rabiscada? A metamorfose!
Brilha na terra, brilha no ar. No mar, desabrochar.
Menino, levanta e caminha molhado que o vento te seca. Abre os braços. Rodopia e assovia que a estrelinha é tua companhia. Pega na tua ponta e aponta a estrada. Escolhe a mais florida, que eu te espero no final. Escolhe a mais escura, que eu te embalo na cantoria, te protejo da bruxaria. Não te esqueças jamais a vida é sua, então recupera aquele lápis mágico e contornas as tuas aventuras com o brilho do arco-íris.
Desenha palhaço, desenha casinhas, montanhas e florzinhas, desenha a praia que nos espera, o navio que nos leva, a letra que te comove e o beijo que te beija. Desenha o amor que te ilumina, o abraço que te aquece, desenha o mundo que tu mereces!
Porque o mundo que tu mereces, menino, é maior do que a nebulosa vermelha e distante. É o mundo dos heróis, das fadas das promessas e conquistas, dos dragões, dos rios que correm para o mar, castelos de cristal, taças cintilantes, das velhinhas com encharpes e seus poodles branquinhos que rolam na grama fresca, dos estudantes em bando que circulam no final da tarde, das crianças descalças que jogam amarelinha e empinam pipa. É doce. É perfumado, é engraçado, é animado. É desenho animado.
O mundo que tu mereces menino, é todo teu. É medalha de ouro, primeiro lugar. Não é metade, nem mais nem menos, nem marola. É cavalo branco. Inteiro. É vitorioso, mundo glorioso.
Levanta do chão, pois da tua oração nascem estrelas. A cada descoberta, a cada manhã. Chovem estrelas no teu jardim. Cheiro de Jasmim. Elas te acompanharão, lembra?
Menino-homem, homem-menino. desenha a tua jornada sem medo. A magia. Quebra as grades de tua prisão e abre as janelas para a vida. Noite e dia, conta histórias e diálogos, cria personagens para a criançada, sentada em circulo ao redor da fogueira e dos cachorros que dormem saciados. Histórias de quem nasceu estrelinha e virou sol. Tatuado na minha pele, desenhado na minha alma. Para sempre. Meu melhor amor. Sonha acordado. Feito desenho animado.

---Fred Itioka---

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